Filho
de pais liberianos que fugiram da guerra civil, ele migrou com a família para o
Canadá. Jovem era babá dos irmãos, começou na MLS com 15 anos e sua namorada é
jogadora do... PSG
Driblar
é uma metáfora na família Davies que Alphonso parece ter levado mais no sentido
literal. Pois muito antes de o jovem lateral deixar seus rivais para trás e
brilhar no Bayern de Munique, seus pais, Victoria e Debeah, também venceram
alguns adversários. Mais difíceis que qualquer um na Liga dos Campeões: as duas
guerras civis da Libéria.
Alphonso
Davies recebeu elogios de Marcelo no Instagram. Ganhou o apelido de
“papa-léguas” do companheiro Müller depois de alcançar 35,2 km/h em um jogo do
Bayern. Superou o seu maior ídolo, Messi, com uma goleada por 8 a 2. E desponta
como um dos melhores jogadores de sua posição. Não em vão, o time alemão
renovou seu vínculo até 2025.
Imaginar
que tudo isso seria realidade na vida dele era um exercício otimista demais
para o garoto. Afinal, ele nasceu em um campo de refugiados em Gana e cresceu
numa gelada cidade do Canadá, onde os jovens ligam muito mais para o hóquei no
gelo.
Os
dribles da família Davies
“Eu
não gosto de falar sobre o meu país. É difícil. Às vezes, você estava na fila,
e eles matavam uma pessoa ali, outra atrás. Então... não gosto de falar sobre
meu país”
Com
a voz embargada, a mãe de Alphonso, Victoria Davies, usa poucas palavras em
entrevista à emissora canadense “TSN” para lembrar o tempo difícil na Libéria.
Ela e Debeah, pai do lateral, passaram pelas guerras civis no país entre 1989 e
1997 e depois a partir de 1999. Viveram experiências que não compartilham com
ninguém.
–
Eles, na verdade, não falam muito. Eu já perguntei, mas... eles nunca disseram
muitas coisas – diz Alphonso, à “TSN”, quando perguntado o que sabe sobre o
país de origem dos pais.
No
ano 2000, os pais de Davies foram para Buduburam, campo de refugiados montado
pela ONU perto de Accra, capital de Gana. Lá nasceu, em novembro daquele ano, o
atual lateral do Bayern. A vida como refugiado também foi dura. Mas Debeah e
Victoria não tiveram escolha.
–
Foi difícil. Foi perigoso. Era complicado viver lá. Porque, a única maneira de
sobreviver algumas vezes era carregando uma arma também. Nós não tínhamos
interesse em carregar armas. Então, decidimos escapar de lá (Libéria) – afirmou
o pai de Davies, em depoimento ao Vancouver Whitecaps, primeiro clube do filho.
Alphonso
viveu cinco anos em Gana. Ele não tem muitas memórias do período. A família
lutou contra a fome e as condições precárias de moradia até que, no início de
2006, aproveitaram um programa de reassentamento da ONU. E foram parar no
Canadá.
A
história de Alphonso Davies é simplesmente incrível
Ser
jogador de futebol na terra do hóquei
Alphonso
cresceu em Edmonton, no centro-oeste canadense. O inverno por lá tem
temperaturas que variam de -7ºC a -16ºC. No verão, a máxima não chega a 23ºC.
Admita: um clima nada agradável para a prática do futebol ao ar livre. Por
isso, o lateral nunca teve tanta confiança em ter um futuro no esporte.
“Sejamos
honestos: há várias razões para ter muito mais jogadores surgindo do Rio de
Janeiro do que em Edmonton. Não é só frio. É basicamente viver no freezer”,
escreveu Davies, ao 'Player's Tribune'.
–
Meu sonho era ser um grande jogador na Europa. Mas a maioria das estrelas ou é
da Europa ou de lugares como Brasil e Argentina. Quantos vem de Edmonton, onde
você tem que jogar hóquei? Nenhum – confidenciou o lateral.
O
futebol realmente não fez muito parte da infância dele no Canadá. E aquele
menino tímido, que ainda se esforçava para criar amizades, testou o basquete, o
vôlei e o hóquei. O pai de um amigo tinha uma pista de gelo. E o jovem Davies
se aventurou no esporte por... um dia.
Não
conseguiu amarrar os cadarços do patins. Não conseguiu ficar em pé. E viu que
não valia o esforço. Enquanto isso, o pai Debeah jogava em um time amador de
Edmonton. E todo fim de semana assistia ao Chelsea, dos ídolos Essien e Drogba.
O
lance em que Davies entortou Semedo e deu uma de suas três assistências na Liga
dos Campeões
Alphonso
começou a ter uma referência. Aos 10 anos, entrou em sua primeira escolinha.
Com o tempo, ele percebeu que até dava para jogar futebol com temperaturas
negativas. Mas foi difícil manter a rotina nos treinos. Ele tinha obrigações em
casa: cuidar do irmão Brian e a irmã Angel.
–
Meu pai trabalhava em uma fábrica de empacotar frangos. Às vezes, ele saía no
meio da noite e só voltava à tarde. Minha mãe era faxineira e saía 9h da manhã
e só voltava 8h da noite. Eles não podiam pagar por uma babá quando trabalhavam
à noite – lembra Davies, ao 'Player's Tribune'.
“Enquanto
meus amigos estavam treinando ou jogando videogame, eu estava em casa, trocando
fraldas e cantando canções de ninar”.
Até
que Nick Huoseh apareceu em sua vida. - Titular na MLS com 15 anos
Aos
12 anos, Alphonso foi para o Edmonton Strikers, “o pior time da liga juvenil
local”, segundo ele mesmo avaliou. Mas lá ele conheceu um treinador que mudou
sua vida. Mudou tanto que ambos nunca mais se separaram. Nick Huoseh
transformou o time e levou o jovem para o Vancouver Whitecaps aos 14 anos. E é
o seu empresário atualmente.
A
partir daí, tudo aconteceu muito rápido com o garoto que era babá dos irmãos no
seu escasso tempo livre. Davies se mudou para Vancouver. E aí vale ressaltar: a
nova casa do jovem ficava a 1,2 mil km de Edmonton. Seus pais ficaram
assustados pela primeira separação.
–
Antes de ir embora, eu prometi para ela (mãe) que eu seria um bom garoto, iria
continuar o mesmo e terminar meus estudos. Ainda estou trabalhando nisso
(estudos) – diz Davies, com um largo sorriso.
Em
agosto de 2015, Alphonso chegava ao Whitecaps. Em junho de 2016, estreava no
Campeonato Canadense. E no mês seguinte, entrou em campo pela equipe principal,
na Major League Soccer (MLS), a principal liga dos Estados Unidos, que conta
com o time canadense.
O
lateral tinha 15 anos, oito meses e 14 dias. Apenas Freddy Adu, com 15 anos e
cinco meses, entrou em campo na liga mais novo. Mas Alphonso não parou aí. Foi
titular e fez seu primeiro gol profissional ainda com 15 anos. Jogou 65
partidas pelo Vancouver Whitecaps na MLS. Marcou oito gols e anotou 12
assistências.
Davis
só ganhou a cidadania canadense em 2017. Em junho daquele ano, aos 16, estreou
pela seleção. Tem 17 jogos e cinco gols pelo Canadá, um deles marcado em
vitória por 2 a 0 contra os Estados Unidos em novembro do ano passado, a única
da equipe contra o rival em 34 anos.
Casal
campeão da Champions?
A
seleção canadense tem um papel essencial na vida de Davies que supera o lado
esportivo. Se engana quem acha que ele é o único do país a ter a chance de
brilhar em uma final da Liga dos Campeões. Sua namorada, Jordyn Huitema, também
pode chegar lá.
Namorada de Alphonso |
Alphonso
namora há mais de três anos com a atacante. Ela é canadense e joga no PSG. Isso
mesmo. Mas é só uma coincidência. Ambos se conheceram defendendo as seleções de
base do país e foram eleitos os melhores jogadores sub-17 em 2017.
Jordyn
tem quatro gols em quatro jogos pelo PSG na atual edição da Champions Feminina.
Neste sábado, sua equipe encara o Arsenal, um dos favoritos, pelas quartas de
final.
“Oi, eu sou o Arjen”
Pode
parecer que o futebol não é uma ciência exata, mas há algumas equações que se
encaixam no esporte. Jovem jogador + força + habilidade + explosão + posição
com baixa oferta = assédio de grandes clubes europeus. Assim ocorreu com
Alphonso Davies.
O
Bayern o levou. Mas clubes ingleses batalharam por ele. José Mourinho era
técnico do Manchester United e o pediu. E esperou. Esperou. Mas nunca pôde
convencê-lo a ir para a Inglaterra. A diferença foi na abordagem.
Em
agosto de 2018, Davies disputou o MLS All Star contra a Juventus e confidenciou
ao lateral brasileiro Alex Sandro: "Eu tenho você no Fifa. Você é acima da
média!" (veja no vídeo acima)
Davies
tem 48 jogos, quatro gols e oito assistências no Bayern de Munique
Nick
Huoseh, seu ex-técnico no juvenil e atual empresário, ouviu de vários clubes
que o seu garoto precisava ganhar experiência na equipe B, ou em um empréstimo
para um time menos expressivo. O Bayern foi direto ao assunto.
–
Não foi apenas um telefonema. Foi uma apresentação de PowerPoint, organizada
por Marco Neppe (analista) e Hasan Salihamidzic (diretor de futebol) – lembrou
Huoseh, em entrevista à “Sky Sports”.
“Eles
me mostraram a posição onde ele iria jogar, que o time tem 19 jogadores no
plantel, jogam 50 partidas no ano, e um jogador médio estaria em 80% das
partidas”, completou.
Assim,
a escolha não foi muito difícil. Em julho de 2018 ele assinou com o gigante
alemão por 12 milhões de euros (cerca de R$ 52 milhões na época) e só foi para
o novo clube depois de completar 18 anos. E teve um encontro de peso para
quebrar o gelo logo no primeiro dia na nova casa.
–
A primeira pessoa que vi foi Arjen Robben. Ele veio até mim, apertou minha mão
e disse: 'Oi, eu sou Arjen' – relembrou Davies, em entrevista à BBC.
“Na
minha cabeça, eu só pensava: 'Você não precisa se apresentar'”
Pois
menos de dois anos depois, o jovem canadense, nascido em um campo de refugiados
de Gana, filho de liberianos se apresenta ao mundo e diz: 'Oi, eu sou Alphonso'.
Mas talvez também não precisasse.
–
Eu tenho orgulho dele. Porque, se a gente olhar para trás, de onde a gente
veio, um campo de refugiados, sem comida, sem roupas, e estamos aqui hoje.
Temos tudo que ele precisa – resume a mãe, Victoria Davies.
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